EUA

O que Trump ganha evitando reconhecer derrota para Biden?

BBC NEWS BRASIL – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem feito algo constante durante as mais de duas semanas que se passaram desde a eleição: alegar, sem mostrar evidências, que a votação foi fraudada contra ele.

Apesar do fato de seu rival democrata, Joe Biden, ter garantido votos eleitorais suficientes para sucedê-lo no cargo, Trump se recusou a seguir a tradição de reconhecer publicamente essa vitória.

Com exceção de algumas aparições públicas e algumas partidas de golfe em seu clube privado no Estado da Virgínia, o presidente está na Casa Branca desde a noite das eleições, sem atividades em sua agenda oficial.

Mas Trump publicou mais de 400 tuítes ou retuítes neste período, a grande maioria para rejeitar os resultados eleitorais. O mais perto que chegou de admitir tacitamente o triunfo de Biden foi escrever no domingo (15/11): “Ele venceu porque…”

Claro, ele imediatamente acrescentou que “a eleição foi fraudada” e, um pouco depois, esclareceu em outro tuíte: “Eu não concedo NADA! Temos um longo caminho pela frente.”

Diferentes especialistas descartam que Trump possa reverter os resultados eleitorais por meio de suas reivindicações legais até agora sem evidências de fraude, especialmente depois que um grupo de funcionários eleitorais nos níveis federal, estadual e local concluiu que a eleição foi “a mais segura na história dos Estados Unidos”.

No entanto, alguns alertam que o atual presidente possa estar almejando outros objetivos menos óbvios.

“Acho que há uma série de razões pelas quais Trump se recusa a ceder e faz falsas acusações de fraude eleitoral, e entre elas é muito provável que haja uma motivação financeira”, avalia Brendan Fischer, diretor de reforma federal do Centro Legal de Campanhas, um grupo sem fins lucrativos e apartidário que promove a transparência político-eleitoral.

1. O dinheiro
Desde a eleição, a campanha de Trump enviou dezenas de mensagens diárias por e-mail e telefone para apoiadores solicitando dinheiro para um “fundo de defesa eleitoral”.

Mas Fischer considera improvável que o dinheiro arrecadado seja usado para combater “fraudes”, para financiar contagens de votos ou batalhas legais, uma vez que tanto a campanha de Trump quanto o Comitê Nacional Republicano têm fundos separados para isso.
Em vez disso, ele aponta que a maioria das doações está indo para um novo comitê de ação política que o presidente criou após a eleição, um instrumento de arrecadação de fundos que aceita até US$ 5 mil (cerca de R$ 26 mil) por ano por doador e tem “relativamente poucas restrições sobre como o dinheiro é utilizado” comparado com os fundos da campanha.

“Agora o dinheiro (levantado em nome da defesa eleitoral) vai principalmente para o novo comitê de ação política de Trump, que pode usá-lo para apoiar uma carreira política e potencialmente até encher seus próprios bolsos depois que ele deixar a Casa Branca”, diz Fischer.

A equipe de Trump apresentou a criação do comitê de ação política como natural e planejada com antecedência.

“O presidente sempre planejou fazer isso, caso ganhasse ou caso perdesse, para apoiar os candidatos e as questões que o preocupam, como o combate à fraude eleitoral”, disse o diretor de comunicação da campanha de Trump, Tim Murtaugh.

No entanto, Susan Del Percio, uma estrategista política que na campanha fazia parte de um grupo de republicanos que se opunham a Trump, chamado Projeto Lincoln, disse que o presidente poderia usar o dinheiro arrecadado para se defender de processos judiciais que enfrentaria em Nova York ao deixar a Casa Branca no dia 20 de janeiro e perder a imunidade do cargo.

“É por isso que ele se recusa a admitir a derrota. Quanto mais tempo o presidente demora para fazer isso, mais dinheiro ele pode arrecadar”, disse Del Percio em um artigo publicado no site NBC News.

2. O poder
Por outro lado, tudo indica que Trump aspira permanecer ativo na política depois de deixar a Casa Branca.

E, embora Biden tenha obtido quase seis milhões de votos a mais do que ele, os 73 milhões de votos obtidos pelo presidente preveem que ele manterá uma influência fundamental dentro do Partido Republicano.

Alguns especialistas acreditam que a recusa de Trump em aceitar a vitória de Biden também visa manter sua base eleitoral mobilizada, talvez com a ideia de concorrer novamente às eleições presidenciais de 2024.
“Suspeito que um grande motivo para ele se recusar a conceder a eleição, mesmo que não haja possibilidade de que uma recontagem em algum Estado anule os resultados, tem a ver com tentar continuar relevante entre aquela facção (de eleitores)”, diz David Parker, professor de ciência política da Montana State University, à BBC Mundo, serviço hispânico da BBC,

Apesar da falta de evidências de fraude, metade (52%) dos republicanos acredita que Trump “ganhou legitimamente” a eleição, de acordo com uma pesquisa Reuters/Ipsos divulgada nesta semana.

Parker adverte que a atitude de Trump pode “minar a capacidade de Biden de governar e colocar pressão sobre legisladores republicanos no Congresso que poderiam trabalhar com Biden e então concorrer em 2024 visando uma falha do governo”.

Mesmo que Trump evite concorrer novamente, ele acrescenta, ele poderá influenciar a escolha do candidato republicano.

A estratégia do presidente de denunciar fraudes sem evidências passará por um grande teste no segundo turno em 5 de janeiro na Geórgia na disputa pelas cadeiras do Estado no Senado.

Se os democratas tirarem essas cadeiras dos republicanos, eles terão também maioria na câmara alta do Congresso, assim como na baixa.
É impossível saber quando Trump aceitará publicamente o triunfo de Biden.

Isso acontecerá depois que todos os Estados certificarem seus resultados eleitorais nas próximas semanas? Talvez quando o Colégio Eleitoral eleger formalmente o próximo presidente em 14 de dezembro? Ou Trump evitará reconhecê-lo indefinidamente?

A verdade é que Biden começou a aumentar a pressão sobre Trump, alertando, por exemplo, que a recusa em ajudar uma transição ordeira pode complicar a luta contra o coronavírus que já se estima ter matado mais de 250 mil pessoas nos Estados Unidos.

“Mais pessoas podem morrer se não houver cooperação”, disse o presidente eleito.

Quanto mais tempo passa, mais Trump também testará a lealdade de figuras republicanas que evitaram contradizê-lo em público. E também de seus eleitores.

Nesse sentido, a aposta de Trump parece acarretar, além de potenciais recompensas pessoais, vários riscos.

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