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Sociedade civil da China colapsa sob poder de Xi

AFP – O ativista de direitos humanos “Charles” lembra de uma época em que a sociedade civil florescia na China e ele podia dedicar seu tempo para ajudar a melhorar a vida de pessoas da classe trabalhadora.

Agora, após dez anos de poder do presidente Xi Jinping, as organizações comunitárias como a sua foram desmanteladas, sem esperança de renascer.

Charles fugiu da China, e vários de seus amigos ativistas estão presos.

“Depois de 2015, toda sociedade civil começou a desmoronar e a se fragmentar”, disse ele à AFP, usando um pseudônimo por motivos de segurança.

Prestes a selar um terceiro mandato no país mais populoso do mundo, Xi liderou uma década de destruição de movimentos cívicos, mídia independente emergente e liberdades acadêmicas.

Enquanto Xi tentava remover as ameaças ao Partido Comunista, muitos trabalhadores de ONGs, advogados de direitos humanos e ativistas foram ameaçados, presos ou exilados.

A AFP entrevistou oito ativistas e intelectuais chineses, alguns ainda ativos, que descrevem esse processo. Alguns são assediados por agentes de segurança, e outros não têm permissão para publicar usando seus nomes.

“Meus colegas e eu passamos por vários interrogatórios de 24 horas”, contou à AFP um funcionário de uma ONG de direitos LGBTQIA+, sob condição de anonimato, que sofre trauma psicológico por esses eventos.

“Ficamos cada vez mais incapazes, seja do ponto de vista financeiro, operacional, ou pessoal”, acrescenta.

– Caminho para o desmantelamento –
O processo tem sido longo e difícil para os ativistas.

Em 2015, cerca de 300 advogados e defensores de direitos humanos foram presos em uma ampla campanha conhecida como “repressão 709”, porque começou em 9 de julho.

Muitos advogados foram presos, ou colocados sob vigilância por anos, e outros foram impedidos de exercer a profissão, de acordo com grupos de direitos humanos.

Outro momento importante foi a adoção, em 2016, da chamada lei das ONGs estrangeiras, que impôs restrições e deu à polícia amplos poderes sobre essas organizações no país.

“Em 2014, podíamos exibir faixas de protesto, realizar trabalho de campo científico e colaborar com a imprensa chinesa para expor abusos ambientais”, disse à AFP um funcionário de uma organização ambientalista sob condição de anonimato.

“Agora temos que informar a polícia antes de fazer qualquer coisa. Cada projeto deve ser em colaboração com um departamento do governo que atua mais como um comitê de fiscalização”, descreve.

A situação é muito diferente do início dos anos 2010, quando grupos civis podiam agir sob um clima relativamente permissivo do ex-presidente Hu Jintao.

“Vários grupos LGBTQIA+ e de gênero surgiram nas universidades em 2015”, lembra Carl, membro de um grupo LGBTQIA+.

Em 2018, porém, a intolerância ao ativismo tomou forma com a repressão do movimento feminista #MeToo e a prisão de dezenas de ativistas estudantis.

“As atividades permitidas discretamente antes foram proibidas, enquanto o trabalho ideológico, como aulas de educação política, se intensificou”, diz Carl.

Em julho de 2022, a prestigiosa Universidade Tsinghua, em Pequim, advertiu dois estudantes por distribuírem bandeiras do arco-íris, e dezenas de páginas LGBTQIA+ de grupos estudantis foram bloqueadas.

– “Guerra impossível de ganhar” –
Outro mau presságio foi um comunicado interno do Partido Comunista em 2013, proibindo a defesa do que descreveu como valores liberais ocidentais, como democracia constitucional, ou liberdade de imprensa.

“Tratava essas ideologias como hostis, embora na década de 1980 pudéssemos discuti-las e publicar livros sobre elas”, diz Gao Yu, jornalista freelancer em Pequim que foi preso entre 2014 e 2019 por, supostamente, vazar este documento.

“Em uma sociedade normal, os intelectuais podem questionar os erros do governo. Se não, (…) não é o mesmo que na era Mao?”, questiona, referindo-se ao fundador da China comunista, Mao Tse-tung.

Gao, de 78 anos, está sob vigilância, não tem renda e não pode receber ligações do exterior, nem encontrar amigos. “Somos todos como grãos de milho moídos pelo moinho do povo”, desabafa.

No lugar de Gao e de seus colegas, agora há acadêmicos famosos que repetem a ideologia nacionalista dos líderes. Outros foram forçados a deixar o cargo, ou são vigiados por seus próprios alunos.

“Uma cultura de denúncia floresceu no reino intelectual chinês na última década”, afirma Wu Qiang, ex-professor de ciência política em Tsinghua e crítico do Partido.

“Os alunos se tornaram censores que revisam cada frase do professor, em vez de aprender por meio de discussões”, completou.

Diante desse clima, muitos ativistas deixaram o país, ou suspenderam sua militância. Apenas um punhado persevera, apesar da crescente hostilidade, como a perseguição on-line.

“Talvez estejamos no fundo do poço agora (…) mas as pessoas ainda falam sem parar”, diz Feng Yuan, fundador do grupo de direitos de gênero Equity.

Para outros, como o ativista ambiental, é uma “guerra impossível de ganhar” contra “trolls” nacionalistas para quem os ativistas são “anti-China e sofreram lavagem cerebral do Ocidente”.

“Isso me faz sentir que todos os meus esforços foram em vão”, lamenta.

Os amigos de Charles, o ativista do #MeToo Huan Xueqing e o defensor dos direitos trabalhistas Wang Jianbing ficaram detidos por um ano, sem julgamento, por acusações de subversão.

Em sua opinião, as autoridades viram suas reuniões de jovens ativistas como uma ameaça. E a barra está ficando cada vez mais baixa.

“O governo agora está mirando em indivíduos que estão fazendo ativismo sutil, discreto e de pequena escala”, assegura. “Estão garantindo que não haja uma nova geração de ativistas”, acrescentou.

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