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‘Poderia ter feito mais?’, pergunta-se bombeiro 20 anos após 11/9

AFP – Passaram-se 20 anos, mas o especialista em resgates Luis Eduardo Marulanda ainda fica com a voz embargada ao lembrar dos seus dias nas ruínas do World Trade Center, após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York.

O colombiano Luis Eduardo Marulanda, de 57 anos, relembra como foi trabalhar nos escombros do WTC
JUAN BARRETO/AFP – 14.8.2021

A dor ainda está viva para este colombiano entrevistado pela AFP em 14 de setembro, quando emergiu do Marco Zero às 2h sob uma salva de palmas após passar mais de 40 horas procurando sobreviventes, e depois por videoconferência quase 20 anos depois em sua casa, em Bogotá, onde ainda se questiona se poderia ter feito mais para ajudar.
“Fico arrepiado. Sabíamos que tinha muita gente presa ali”, diz, emocionado, Marulanda, hoje com 57 anos, ao lembrar daquela noite, quando os desaparecidos eram contados aos milhares.

Quando os extremistas islâmicos sequestraram e jogaram dois aviões comerciais contra as Torres Gêmeas, Marulanda estava em Nova York por acaso para fazer um curso de instrutor de bombeiro e comprar ambulâncias para a Cruz Vermelha colombiana.

Ele chegou ao sul de Manhattan para se oferecer como bombeiro voluntário pouco após as nove da manhã de 11 de setembro, antes do colapso brutal das torres. Ele sairia dali 90 dias depois.

Sem vestígios

Carregando 45 kg de equipamento – cilindro de ar comprimido, facão, pedaços de mangueira, bocais – foi um dos primeiros que tentou entrar na torre norte para tentar evacuar pessoas enquanto as primeiras unidades dos bombeiros chegavam.

“Chegamos a subir cinco degraus, nada mais. O caos era enorme, as pessoas se atiravam uma sobre as outras. Era impossível subir, havia um turbilhão humano”, lembra Marulanda, que tem grande experiência como socorrista em terremotos, avalanches e outras catástrofes na Colômbia, Equador, Peru, México, Haiti e Nova Zelândia, além do 11/9.
“Graças a Deus não nos deixaram subir porque teríamos morrido no colapso”, assim como muitos bombeiros que chegaram pouco depois, assegura.

Ele permaneceu no Marco Zero por três meses, primeiro procurando sobreviventes, dormindo poucas horas ao lado de outros socorristas em escritórios próximos desertos, e depois recolhendo evidências de todo tipo. Encontrou de restos humanos ao trem de pouso e a caixa preta de um dos aviões sequestrados.

“Vi membros soltos, troncos soltos (…) Vi muitos, muito corpos carbonizados que ficaram muito pequenos, reduzidos, impossíveis de identificar”, em meio a um forte cheiro de “carne assada”, contou este especialista em estruturas colapsadas sobre aquela noite em que trabalhou, exausto e coberto de poeira e suor, sob os enormes holofotes que iluminavam o Marco Zero envolto em fumaça.

Esta é uma das coisas que ainda o perturbavam: o impacto do colapso das torres foi tão grande que nunca foram encontrados os restos – nem mesmo vestígios de DNA – de centenas de vítimas. Muitas famílias nunca puderam sepultar seus mortos.

“Vi uma família mexicana, à qual entregaram um par de sapatos para enterrar, lembro das caras deles, o tradutor lhes falava e a mulher dizia: ‘E você quer que eu leve isso comigo?'”.

“Encontrei dedos e um tufo de cabelos compridos, acho eu que de uma mulher. Daí tiravam o DNA. Camisas, um braço, uma mão esmagada…”, lembra.

Das Torres Gêmeas, o chocou “a destruição gigante, muito, muito gigante, em um espaço muito reduzido”. E a lembrança de muitos imigrantes em situação ilegal que não ousavam sequer pedir os rastros de seus familiares desaparecidos por medo de ser deportados.

“Fiz o bastante?”

Ele também auxiliou vários bombeiros presos no desabamento do edifício 7 do WTC, de 47 andares, que colapsou sete horas depois das Torres Gêmeas.

“Corri para ajudá-los, lavei seus olhos, lhes dei oxigênio, injetei-lhes líquidos intravenosos”, contou 20 anos depois. Hoje, ainda se pergunta “se aqueles que morreram tinham que morrer”. “Poderia ter feito mais? Fiz o bastante?”, pergunta-se.

Sentia “uma dor de pátria, embora não fosse a minha pátria. Mas a gente não precisa ser cidadão americano para sentir essa dor. E isso persiste”, reflete.

Foram “dias maratônicos” e quando não aguentava mais, pedia ajuda aos psicólogos instalados em barracas montadas do outro lado do rio Hudson, em Nova Jersey. Ali também havia quiropráticos “que desmontavam a gente, mas te deixavam como novo”.

Marulanda reviveu durante meses a tragédia do 11 de setembro em seus sonhos.

“Minha esposa me dizia que pulava muito na cama, me dizia que isso a incomodava e a acordava a qualquer hora. Precisei começar a procurar ajuda psicológica profissional, falar muito do tema”.

Não houve tempo de pedir a extensão de seu visto americano naqueles três meses em que trabalhou no Marco Zero. Quando quis voltar à Colômbia, o levaram perante um juiz migratório.

“Queria me deportar, dizia que eu era um irresponsável, um abusado. Fui proibido de voltar aos Estados Unidos durante sete anos”.

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