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Cresce o número de imigrantes brasileiros com Covid-19 presos em condições desumanas nos EUA

Paula Moura, correspondente da RFI em Nova York

Ele começou a apresentar sintomas da COVID-19 e ficou dez dias sem ligar para a esposa. “Essa cela era uma cela de 40 homens que estavam presos. Depois que ele ficou muito mal e desmaiou, levaram lá para dentro numa cela com cinco. Disseram que 99% que ele tinha o vírus,” ela conta, indignada com a demora do teste que pedia com insistência às autoridades.

“Ele ficou isolado porque tinha muita febre. Não tinha máscara, não tinha nada. Todos que tinham febre rasgavam a camisa, cortavam, molhavam e botavam na testa. E a meia colocava na boca e no nariz para proteger.” Laís está de mudança, pois com o fim da renda do marido, que trabalhava na construção, e após ter perdido o emprego em uma padaria devido à pandemia, vai entregar o apartamento em que moravam há dois anos. Mas alguns pertences ainda não conseguiu mudar de lugar, pois fica lembrando de Fábio.

“Eu tenho a garrafa de café dele que ele fazia todo dia, que acordava às 4:30 para sair às 5 da manhã para levar seu café. A bota dele que ainda tá na escada até hoje,” diz. O gato que ficava na cozinha com Fábio todas as manhãs enquanto ele fazia café agora olha pela janela quando escuta o barulho de uma van como a que o dono dirigia. Os nomes deles foram trocados a pedido dos entrevistados.

O imigrante brasileiro está entre os 986 contaminados em detenções de imigração, segundo dados divulgados pela Agência de Controle de Imigração e Fronteiras (ICE) no dia 9 de maio. Mas o número pode ser muito maior, pois apenas 2.045 foram testados, ou seja 7,3% dos 27.908 detidos.

No dia 6 de maio, o imigrante salvadorenho Carlos Ernesto Escobar Mejia, 57, morreu por COVID-19 em Otay Mesa, uma detenção de imigração em San Diego, Califórnia. Os Estados Unidos continuam sendo o país com mais casos da doença: 1,5 milhão e quase 90 mil mortes, de acordo com Centros de Controle de Doenças (CDC).

“Se alguém tem uma condição de saúde preexistente pode ser como uma sentença de morte”, diz Maxine Margolis, professora emérita da Universidade da Flórida. Advogados e organizações de direitos humanos entraram com diversas ações na justiça.

Em uma delas, um médico comenta não acredita que seria possível para os detentos se protegerem do vírus por causa “da falta de pias privativas, chuveiros e fornecimento inadequado de sabonete, álcool”, além da dificuldade de distanciamento social, triagem de sintomas, teste das pessoas com sintomas e falta de locais adequados para quarentena e isolamento.”

As condições nas detenções de imigração já foram alvo de diversas denúncias pelos órgãos de fiscalização do próprio governo. Muitas detenções são terceirizadas, como as que os brasileiros estão detidos. “Antes do coronavírus tem casos de imigrantes presos na fronteira com México que morreram por falta de cuidados médicos.

Coronavírus piorou condições

O coronavírus só piorou as condições,” diz Margolis. Outro brasileiro em Nova Jersey chegou a ligar para a mãe dizendo que estava tossindo sangue após contrair COVID-19, segundo reportagem na imprensa americana. Ele tem problemas de saúde preexistentes e a família também pediu para não ser identificada.

Apesar das denúncias de falta de condições sanitárias, a agência de imigração diz que está cumprindo as diretrizes do CDC para COVID-19, como por exemplo, isolando pessoas contaminadas. O ICE também vem reduzindo o número de detentos. Em 21 de março eram 38.058, um número pouco diferente do mês de fevereiro. Em 9 de maio, registrou 27.908.

Mas ainda não é o suficiente, diz Sarah Pierce, pesquisadora do Migration Policy Institute. Ela diz que essa resposta mostra as prioridades problemáticas do governo. “Sabemos que muitos detentos não são ameaça pública e não existe nenhuma lei dizendo que o governo deveria prendê-los. O governo está escolhendo mantê-los detidos apesar dessa ameaça real à saúde pública.” Ela lembra que essas detenções já tiveram surtos de sarampo, varíola e gripe.

Advogados, ativistas e pesquisadores e senadores da banca hispânica têm defendido que pessoas sem condenação criminal sejam soltas. Nos EUA, infrações de imigração são causas civis, não criminais, e as detenções deveriam punir, mas servir como local de espera. Imigrantes com histórico criminal representavam 39% em 21 de março e agora representam 47% dos detentos.

Os impactos da política vão além do tratamento ao COVID-19 dentro das detenções de imigração. Laís está recebendo doações da comunidade brasileira para as necessidades básicas. Além disso, conta que precisa enviar dinheiro para o marido fazer ligações e ter a acesso a comidas um pouco melhores na detenção, pois não conseguia comer o que era oferecido.

“Miojo era luxo”

“Quando vinha o miojo era um luxo”, conta. “Quando vinha uma banana ou uma maçã que estava boa eles agradeciam porque a fruta também não chega boa. Para mim isso não é vida de um preso. Pelo menos no Brasil a gente pode levar alimentação.”

Alguns brasileiros chegaram a ser liberados no estado de Massachusetts. Um deles saiu com tornozeleira em abril e deixou a detenção usando uma máscara. A mãe do imigrante, também de máscara, foi buscá-lo e o abraçou usando um lençol mesmo com medo por ter condições preexistentes de saúde.

Outros detentos têm sido deportados e levado o coronavírus a outros países, como mostram matérias recentes sobre casos México e Haiti. Pierce diz que é uma grande ironia que a primeira reação do governo Trump foi impedir as viagens de pessoas dos países com surto de coronavírus.

Mas, agora que o país é o epicentro, o país continua deportando imigrantes sem documentos. No ano fiscal 2020, a agência deportou 1.438 brasileiros até o início de abril. O ano fiscal inicia em outubro e termina em setembro. No ano fiscal 2019, foram 1.770, um aumento de 4% em relação aos 1.691 em 2018.

Temida por muitos, a deportação tem sido a luz no fim do túnel na opinião da brasileira Laís, cujo marido está detido. Ela quer que Fábio, depois de mais de 15 anos vivendo nos EUA, autorize sua deportação e voltarem ao Brasil. “Nenhum brasileiro precisa passar por isso, por essa humilhação simplesmente por uma carta de deportação. Quando for preso, que assine logo e vá para o seu país, porque não vale a pena. Eles passam por muitas coisas dentro.”

(Paula Moura, correspondente da RFI em Nova York)

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