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Bebês brasileiros na Ucrânia: o sonho que virou drama na guerra

RFI (Radio France Internationale) – O Brasil deve receber, nesta semana, mais um recém nascido que veio ao mundo em meio à guerra. Esta é a sétima criança de pais brasileiros gerada por mulheres ucranianas, que o Itamaraty ajudou a resgatar desde o início dos bombardeios. Na Ucrânia, o recurso à barriga de aluguel é autorizado por lei.

O Ministério das Relações Exteriores, em caráter excepcional por causa da guerra, simplificou o processo para a concessão de registro de nascimento e emissão de documentos de viagem para recém-nascidos brasileiros. O ventre de substituição, também conhecido como barriga de aluguel, é uma atividade remunerada e regulamentada no país. Por este motivo, casais de vários países que enfrentam problemas de fertilidade, procuram a Ucrânia.

Até agora, o governo brasileiro deu auxílio para retirar seis bebês brasileiros gestados nesse modelo e que nasceram no meio do conflito. Alguns estavam em abrigos subterrâneos. Um outro recém-nascido, que estão com os pais brasileiros no país, deve chegar ao Brasil nos próximos dias.

A RFI conversou com uma mulher que, em dezembro de 2019 virou mãe da Lua, menina nascida de ventre ucraniano bem na fronteira com a Rússia. Deise Klein Leobet disse que, já naquela época havia certa tensão militar nas ruas.

“Para eu chegar à porta do apartamento onde ficamos, numa zona muito boa de Kharkiv, no meu andar eu tinha que passar por três portas de ferro. Parecia que eu estava entrando num bunker”, lembra Deise ao relatar que ouvia notícias de sequestros de pessoas, diante da presença de milícias armadas de ambos os lados. Ela também diz que naquele momento já era visível a presença de forças russas na região.

Porém Deise ressalta que nada se compara ao que mães e pais enfrentam hoje, como a falta de informação do filho que nasceu ou do paradeiro da mulher que está gestando a criança. “Eu fico imaginando a situação dessas famílias hoje que estão esperando bebês, que não estão recebendo informação e que não têm ideia de onde está a pessoa que fez o ventre de substituição para a família”, diz. “A gente mesmo tentou agora ligar para a clínica onde fizemos nosso procedimento, mandamos mensagem para os médicos, com quem mantínhamos contato, para saber como estavam, e nada”, conta.

Situação crítica
Deise é especialista em comércio internacional e já conhecia a Ucrânia, mas os laços se tornaram mais fortes com a chegada da filha. Foi a preocupação com a mulher que gestou a criança e com a família dela que levou Deise a organizar um protesto contra a guerra em Brasília e a criar uma rede que acompanha entidades e órgãos que têm ajudado pessoas no conflito.

“Ela me mandou uma mensagem muito triste, dizendo que a situação era muito pior do que a gente poderia imaginar. Eles ouviam bombas explodindo por todos os lados. No fim, falou que não sabia se passariam de hoje ou de amanhã, e que tinha sido um prazer trazer minha filha ao mundo e nos conhecer”.

O tom de despedida mexeu com a brasileira. “Recebi essa mensagem na madrugada, acordei meu marido e falei: meu Deus, eu tenho que fazer alguma coisa, porque essa mulher me deu a maior alegria da minha vida.” Deise ofereceu ajuda para a família deixar o país, mas a mulher disse que permaneceria ali com os dois filhos para não deixar o marido, impedido pela lei marcial de sair.

Ajuda humanitária
A situação dos bebês gerados de ventres de substituição ilustra o drama real de quem está no meio da guerra e dá mostras do desafio de entidades para ajudar quem deixa a Ucrânia e atender quem ficou, além de toda pressão política pelo fim do conflito e pela garantia de corredores humanitários.

“Você imagina que um conflito armado tem consequências que são cumulativas. Há mortos e feridos pelo confronto, mas também tem separação de família, falta de acesso a água, a medicamentos, a comida”, afirmou à RFI o porta-voz no Brasil da Cruz Vermelha Internacional, Diogo Alcântara.

“Temos hoje na Ucrânia 740 funcionários e o relato desses colegas são de que as casas foram reduzidas a escombros, as famílias ficam amontoadas em subsolos horas a fio para buscar segurança. Centenas de milhares de pessoas quase não têm mais comida, não têm água, não têm aquecimento”. A Ucrânia já era alvo de uma grande mobilização da Cruz Vermelha antes do conflito, e por isso contava com estoques de materiais como remédio e kits farmacêuticos para atender feridos.

“Insumos como insulina, por exemplo. Você imagina que durante um conflito, quem já era vulnerável numa sociedade se torna ainda mais vulnerável. Um diabético corre o risco de ficar sem acesso a insulina.” Com a guerra se arrastando e a demanda crescendo, a Cruz Vermelha remanejou estoques e montou toda uma logística para levar de outros armazéns material para as regiões atingidas. “A gente conseguiu fazer as doações no início, mas por um momento a gente zerou todos esses itens. E aí foi preciso montar uma rede de distribuição.”

Doações
Mundo afora há campanhas para arrecadar donativos aos ucranianos. “Eu tenho recebido muitas mensagens de brasileiros querendo ajudar. Mas o que mais me perguntam hoje é como se faz para adotar uma criança ucraniana. Eu acho muito lindo o gesto das pessoas de quererem adotar, mas eu acho que hoje, se as pessoas querem ajudar, a maneira mais eficaz, de maior impacto, é com a ajuda financeira”, aponta Deise Klein.

A busca por informações sobre adoção de crianças da Ucrânia cresceu com relatos divulgados na mídia sobre orfanatos e abrigos de menores atingidos por bombardeios ou mesmo de crianças que tiveram os pais ou responsáveis mortos no conflito. Mas até para proteger os mais vulneráveis inclusive do tráfico de pessoas, processos de adoção em geral seguem um processo mais detalhado, mesmo em situações de guerra.

“Uma amiga americana que já ajudava financeiramente orfanatos na Ucrânia foi para o país quando estourou o conflito. Ela e o marido já resgataram 90 crianças órfãs. Mas muitos deles ainda têm parentes ou mesmo pais, porém estão em situação de risco, como a miséria. Por isso o caminho mais eficaz é a doação. Minha amiga criou um fundo para ajudar essas crianças que ela resgatou, relata Deise. Ela também cita o trabalho da Cruz Vermelha e de agências da ONU, como o Unicef e a Acnur, que atendem respectivamente crianças e refugiados.

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