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Após Trump, Congresso dos EUA vê ascensão da direita latina

 (Por Jennifer Medina, The New York Times) – Durante anos, os republicanos do Texas tentaram ganhar o voto latino usando o discurso do chamado conservadorismo compassivo da era de George W. Bush (2001-2008). A ideia era que o toque moderado e a retórica mais suave sobre a imigração eram fundamentais para conquistar eleitores de origem latino-americana, principalmente nos redutos democratas ao longo da fronteira Sul.

Tal era o Texas de antigamente. A era Trump deu origem a uma nova marca de republicanos, uma das quais já está andando pelos corredores do Congresso em Washington: a latina de extrema direita.

A deputada Mayra Flores se tornou a primeira republicana a representar o Vale do Rio Grande no Legislativo federal em mais de um século, depois de vencer uma eleição especial no mês passado e mudar a cadeira do Congresso do azul dos democratas para o vermelho dos republicanos. Ela também se tornou a primeira republicana latina enviada pelo Texas ao Congresso. Seu mandato dura até o final do ano, quando haverá eleições gerais para o Congresso, e ela é vista como tendo chance de se reeleger para um mandato pleno.

Mas o mais impressionante é que Flores venceu evitando os moderados, abraçando a extrema direita e usando seu apoio a Donald Trump.

Seu slogan de campanha“Deus, família, país” — pretendia apelar ao que ela chama de “valores tradicionais” de seu distrito de maioria latina na cidade fronteiriça de Brownsville. Ela pediu o impeachment do presidente Joe Biden. Ela tuitou hashtags da teoria da conspiração QAnon. E ela chamou o Partido Democrata de “a maior ameaça que os Estados Unidos enfrentam”.

Duas outras republicanas latinas do Texas, Monica De La Cruz, em McAllen, e Cassy Garcia, em Laredo, também estão nas disputas para o Congresso. Todas as três — chamadas de “ameaça tripla” por funcionários do Partido Republicano — compartilham visões de direita sobre imigração, eleições de 2020 e aborto, entre outras questões.

Flores, De la Cruz e Garcia cresceram no Vale do Rio Grande, uma região operária de quatro condados no extremo Sul do Texas, onde os latinos representam 93% da população. Todas as três são bilíngues; Flores nasceu em Tamaulipas, no México, e as outras duas no Sul do Texas. Apenas De la Cruz foi endossada por Trump, mas todas continuam sendo defensoras sinceras dele, de seu movimento e de sua dura conversa sobre restringir a imigração e construir o muro na fronteira.

O Vale do Rio Grande tem sido um lugar politicamente progressista, mas culturalmente conservador. Os bancos da igreja ficam lotados aos domingos e as bandeiras americanas tremulam em seus mastros nos gramados das casas.

O marido de Flores é um agente da Patrulha da Fronteira, algo que ela frequentemente enfatizou na campanha para a eleição especial.

Em 2020, a cultura conservadora do Vale passou a exercer mais influência na política local. Trump virou o condado rural de Zapata e reduziu a margem de vitória democrata em quatro outros e em cidades fronteiriças.

” Crescendo lá, você sempre tem republicanos enrustidos”, disse Cassy Garcia, que é ex-assessora do senador Ted Cruz. “Agora, o desejo de abraçar os republicanos está realmente se espalhando. Eles sentem um sentimento genuíno de pertencimento”.

Outras latinas pró-Trump estão concorrendo a cadeiras na Câmara na Virgínia, na Flórida e no Novo México, entre outros estados.

Líderes e estrategistas republicanos dizem que a vitória de Flores e as candidaturas de outras mulheres latinas de direita são a prova de que os eleitores latinos estão cada vez mais se deslocando para a direita. Mais de 100 candidatos republicanos à Câmara são latinos, um número recorde, de acordo com o Comitê Nacional Republicano.

Os democratas veem a situação de maneira muito diferente. Alguns líderes democratas minimizam a vitória de Flores como um acaso “produto de uma eleição com baixa participação em que apenas 28.990 pessoas votaram, e passageira”.

Flores, que foi eleita para servir nos últimos seis meses do mandato de um congressista democrata que está se aposentando, está concorrendo na eleição legislativa de novembro para um mandato completo. Ela enfrentará o deputado Vicente Gonzalez, um democrata popular que está trocando de distrito.

Os líderes democratas estão otimistas de que Gonzalez derrotará Flores e que Garcia perderá sua corrida contra o deputado Henry Cuellar, um democrata conservador que venceu por pouco um adversário progressista no segundo turno das primárias do partido.

De la Cruz, no entanto, está disputando a corrida mais competitiva da Câmara no Texas e enfrentará Michelle Vallejo, uma democrata progressista.

O deputado democrata Ruben Gallego, que lidera a bancada latina no Congresso, disse que a vitória de Flores foi um “golpe de relações públicas” para os republicanos.

“Isso não significa que ela represente os eleitores latinos tradicionais”, disse Gallego.

Gonzalez, o congressista democrata, quase perdeu para De la Cruz há dois anos, quando ela o desafiou no 15º distrito congressional do Texas. Ele ganhou por 6.588 votos. Agora, ele está desafiando Flores no 34º distrito.

“Esta foi uma mensagem profunda para o partido”, disse Gonzalez sobre a vitória de Flores. “Isso realmente acordou a base democrata. Eu nunca tive tantas pessoas voluntárias em todos os meus anos”.

Mayra Flores contou que antes ela havia votado nos democratas antes, principalmente porque todos que ela conhecia faziam o mesmo. A primeira vez que ela votou em um republicano para presidente foi para Mitt Romney, em 2012.

Depois de participar de um evento republicano para os cônjuges de agentes da Patrulha de Fronteira, Flores começou a se voluntariar para o Partido Republicano do Condado de Hidalgo em McAllen. Em 2020, ela estava organizando caravanas pró-Trump pelo Vale do Rio Grande.

Quando perguntada sobre a QAnon, Flores negou ter apoiado a teoria da conspiração, que afirma que um grupo de elites adoradoras de satanás, que administra uma rede sexual infantil, está tentando controlar o governo e a mídia. Hashtags há muito são consideradas uma abreviação para expressar apoio a uma causa ou ideia, mas Flores insistiu que sua intenção era expressar oposição à QAnon.

É apenas para alcançar mais pessoas, para que mais pessoas possam ver e pensar: “Ei, isso precisa parar”, disse ela sobre o uso da hashtag. “Isso só está prejudicando nosso país”.

Flores apagou os tuítes sobre a QAnon, mas não deixou de expressar outras opiniões de direita. Após a eleição de 2020, ela insistiu no Twitter em que Trump havia vencido, escrevendo em um post: “Nós vencemos e vamos provar isso!”.

Após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, ela retuitou uma postagem chamando-o falsamente de “esquemaAntifa. Ela chamou Biden de “presidente apenas nominal” e exigiu seu impeachment. E como seu próprio juramento de posse coincidiu com as audiências do comitê da Câmara que investiga o ataque de 6 de janeiro, Flores rejeitou amplamente o processo.

“Honestamente, meu distrito não se importa com isso”, disse ela sobre as audiências. “Meu distrito está lutando para pagar suas contas. É nisso que devemos nos concentrar”.

Como Flores, De La Cruz se descreve como uma ex-democrata que “se afastou” do partido. Ela disse que deu seu primeiro voto em uma primária republicana para Trump em 2016.

“Acredito que o presidente estava trazendo à luz as coisas terríveis que estávamos fazendo ao nosso país“, disse De La Cruz.

Depois de perder por pouco para Gonzalez em 2020, De La Cruz sugeriu, sem provas, que ela e Trump haviam sido vítimas de fraude eleitoral.

Garcia, por outro lado, disse que foi republicana a vida toda. Criada como conservadora, ela ia à igreja três vezes por semana e entrou para a política logo após a faculdade.

Como candidata, ela se concentra na liberdade religiosa, na escolha de escolas e na proibição do aborto, questões sobre as quais ela disse que os eleitores latinos da região têm cada vez mais a mesma opinião.

A onda republicana está aqui”, disse Garcia.

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