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‘A Noite do Fogo’ retrata a solidão feminina diante da migração ilegal e do narcotráfico no México

(FOLHAPRESS –  SYLVIA COLOMBO)
Mães e filhas se reúnem num salão de beleza, onde pouco restou de sua função mais básica. Ali, as mulheres se reúnem para fazer com que suas filhas fiquem mais feias e pouco atrativas para os olhares masculinos. Cabelos são cortados, dentes reluzentes são pintados para parecer que estão podres e cheios de cáries. Em casa, elas aprendem a cavar a própria cova e a enterrarem-se sozinhas como forma de esconder-se.

“A Noite do Fogo”, que estreia na quinta (18) no Brasil, conta a história de um vilarejo nas montanhas do México que está longe de ser o único. Ali, os homens já não estão em suas casas. Ou migraram para os Estados Unidos, ou se juntaram ao crime organizado, ou simplesmente morreram nos embates entre cartéis e forças de segurança. O certo é que as mulheres e as crianças são as únicas habitantes do local. E é preciso proteger as meninas de serem sequestradas e levadas para servirem aos narcotraficantes que atuam na região.

“As pessoas nos festivais europeus vinham me perguntar se o caso era inventado, eu me vi na posição de explicar o que está ocorrendo no México hoje, onde há cidades cuja população está desaparecendo, em que as mulheres se conscientizam de que são mulheres de um modo traumático, em contato direto com a violência e relacionando-se com coragem a uma situação tão difícil”, conta à reportagem Tatiana Huezo, nascida em El Salvador, mas que vive no México desde criança. O filme é o indicado do México ao Oscar de melhor filme internacional e foi exibido na mais recente edição do Festival de Cannes.

País marcado pela imigração e pela disputa pelas rotas de narcotráfico, o México acumula já 100 mil desaparecidos nos últimos 15 anos. No interior do país, também existem mais de 39 mil corpos de pessoas não identificadas, que estão em covas coletivas clandestinas.

Ali, o Estado se faz presente de modo frágil, por meio de soldados que ou são corruptos ou que estão pior armados que os bandidos. Nas escolas rurais, os professores são interrompidos pelos episódios de violência e frequentemente têm de partir por se sentirem sem segurança para realizarem seu trabalho.

“Durante as provas de casting, entrevistamos mais de 800 meninas de várias regiões, e isso me ajudou a entender melhor como é a infância no México. As meninas que estão no filme são uma radiografia da infância no país”, diz Huezo.

O filme está baseado no livro “Reze Pelas Mulheres Roubadas”, publicado no Brasil pela Rocco, da escritora mexicana-americana Jennifer Clement. Durante vários meses, ela viveu num vilarejo no interior do violento estado de Guerrero para acompanhar o cotidiano de mulheres e crianças, que com frequência são recrutadas para ajudar nas plantações de papoula, utilizada para a produção de heroína.

No livro, a protagonista é uma das meninas que precisam ser protegidas pela mãe, mas que acaba tendo a vida marcada pela tragédia social do país. No filme, ela é Ana, através da qual vamos acompanhando como é a tomada de consciência de uma criança nesse ambiente.

“Há muitas questões relacionadas ao tema do que é ser mulher hoje no México. Como venho do universo dos documentários, para mim era importante misturar as narrativas. Existe o arco narrativo da ficção, mas contar com uma fiel reconstrução da realidade era fundamental”, conta.

Para isso, Huezo trabalhou com não-atores e praticamente reconstruiu o vilarejo pesquisado no livro numa outra localidade. O trabalho de Clement trata do estado de Guerrero, um dos mais pobres do México, onde ocorreu a tragédia de Ayotzinapa em 2014, e um dos principais fornecedores de heroína para o narcotráfico internacional.

Hoje, porém, Guerrero é uma zona conflagrada, onde é muito difícil de transitar. Desde a desaparição dos 43 estudantes, a região foi tomada pelo conflito entre narcotraficantes, milícias locais e o Exército. Como filmar ali seria impossível, Huezo buscou também uma região montanhosa, em Querétaro, onde se instalou na cidade de Neblinas com uma equipe de 100 pessoas por nove semanas. “Estivemos ali isolados reconstituindo a ambientação e a história do livro”.

Huezo também dirigiu “El Lugar Más Pequeño” (2011), sobre a guerra civil em El Salvador, e “Tempestad” (2016), sobre a Justiça e a impunidade no México. O México já recebeu nove indicações ao Oscar de melhor filme estrangeiro, tendo ganhado a estatueta em 2019 com “Roma“, de Alfonso Cuarón.

A NOITE DO FOGO

Quando: Estreia na próxima quinta (18)
Onde: Nos cinemas
Elenco: Norma Pablo, Mayra Batalla e Memo Villegas
Produção: México/Alemanha/Brasil/Catar, 2021
Direção: Tatiana Huezo

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